quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Autismo



1. O Autismo


“ Sempre corri atrás de mim mesmo como uma criança atrás de um balão levado pelo vento. Eu era o vento e não sabia.”

 
(autor desconhecido)


1.1. Perspetiva histórica e conceptual de Autismo 


Como indica Pereira (2005), em termos etimológicos, a palavra “autismo” deriva do grego “ autós” que significa “próprio”, acrescido do sufixo “ismo”, que nos reporta a uma ideia de orientação ou estado. De uma forma geral pode ser explicado como um estado de espírito com inclinação para se fechar no seu próprio mundo, abstraído da realidade circundante, acompanhada por uma firme concentração em si mesmo.
O termo autismo foi pela primeira vez utilizado em 1911 por Beuler, no entanto, foi associado a um conjunto de comportamentos relacionados com esquizofrenia. Mais tarde, em 1943, Dr. Leo Kanner, psiquiatra americano, usou o mesmo termo para descrever algumas crianças que se encontravam na sua unidade psiquiátrica. Este grupo de crianças apresentava características comportamentais semelhantes entre si, reduzido interesse por outras pessoas, linguagem peculiar, insistência em rotinas e comportamentos repetitivos (Farrel, 2008).
Na mesma altura, Hans Asperger define uma síndrome mais leve, posteriormente designada por Asperger Syndrome. De acordo com o autor, esta síndrome é caracterizada por um contacto social inadequado com comunicação peculiar, criando palavras originais, ausência de expressões faciais, movimentos estereotipados e inteligência normal ou acima da média. Relativamente a Kanner, a diferença era que as competências linguísticas e cognitivas eram mais elevadas (Lima, 2012).
Em 1979, Wing e Gould apresentam um novo estudo e introduzem a expressão “espectro do autismo”. Os autores concluem que as crianças que fizeram parte do estudo apresentavam dificuldades de interação social, dificuldades de comunicação e falta de interesse em atividades. Como não se enquadravam no diagnóstico usual de autismo, os autores criaram o conceito de spectrum (Lima, 2012).
Os critérios atuais do DSM-IV-TR definem a Perturbação do Espectro do Autismo
como sendo uma Perturbação Global do Desenvolvimento, caracterizadas por comprometimentos em três áreas de Desenvolvimento: Interação Social, Comunicação e Comportamento. 


1.2.Variantes das Perturbações do Espectro Autista
O quadro inicial de diagnóstico de autismo sofreu, ao longo do tempo, inúmeras alterações. Estas alterações deveram-se sobretudo à constatação de diferenças entre os indivíduos com autismo, surgindo assim a noção de sub- tipos dentro das perturbações autistas. O reconhecimento da existência de um núcleo central de perturbações e características comuns a um conjunto de patologias com intensidade e severidade variável, evidenciou outras variantes do “autismo de Kanner” também denominado “autismo clássico” (Marques, 2000).
Atualmente o DSM-IV-TR considera os seguintes subtipos da Perturbação Global do Desenvolvimento: Perturbação Autística, Perturbação de Asperger, Perturbação Global de Desenvolvimento sem Outra Especificação (SOE), Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância e Síndroma de Rett. 


1.2.1 Perturbação Autística
Segundo Byrna Siegel (2008), o Autismo ou Perturbação Autística é a forma mais conhecida e mais frequente das Perturbações Globais do Desenvolvimento, já descrita anteriormente. 

1.2.2. Perturbação de Asperger
As crianças com Síndrome de Asperger apresentam diversas características comportamentais semelhantes às apresentadas por crianças autistas. As principais diferenças residem no desenvolvimento cognitivo, não apresentando, geralmente, atrasos intelectuais significativos e possuírem competências de linguagem, autonomia pessoal e comportamentos adaptativos, exceto os sociais. A Síndroma de Asperger, é geralmente diagnosticada mais tarde, por volta dos 6 anos e, tal como acontece com o autismo, tem maior prevalência em rapazes do que em raparigas (Paasche, Gorrill, &, Strom, 2010). 

1.2.3. Perturbação Global de Desenvolvimento SOE
Esta denominação é utilizada para casos que não cumprem os critérios para o diagnóstico formal nas outras patologias existentes nas Perturbações Globais do Desenvolvimento, como por exemplo Autismo Atípico (Lima, 2012). A Perturbação Global do Desenvolvimento SOE é vista como uma forma mais branda de autismo, sendo que neste subtipo pode ser enquadrada uma criança que apresente transtornos na comunicação ou insistência na repetição/ comportamentos restritos, mas não necessariamente ambos (Farrel, 2008). 

1.2.4. Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância
Trata-se de uma Perturbação Global do Desenvolvimento que se caracteriza por uma acentuada regressão em múltiplas áreas do desenvolvimento a seguir a um período de pelo menos dois anos de desenvolvimento aparentemente normal. Após este período dá-se uma perda súbita e significativa de competências que já haviam sido adquiridas (Lima, 2012). 

1.2.5. Síndroma de Rett
As crianças com Síndroma de Rett apresentam muitas características comportamentais associadas ao autismo. A diferença principal é que estas crianças parecem ter um desenvolvimento normal nos primeiros meses de vida, seguido de perda de linguagem verbal e competências sociais anteriormente adquiridas, abrandamento do desenvolvimento do cérebro, desenvolvimento de movimentos estereotipados nas mãos, perdendo movimentos intencionais e modo de andar descoordenado e rígido. A Síndroma de Rett é mais comum em raparigas do que em rapazes. Tendo em conta que a deterioração global é contínua, o prognóstico para o futuro não é positivo (Paasche et. al., 2010). 



1.3. Caracterização Criança com Perturbação do Espectro do Autismo
Wing (1979, in Soares, 2009) refere que o indivíduo autista apresenta um vasto leque de dificuldades, sobretudo em três principais áreas: a área da linguagem e comunicação; a área das competências sociais e, por fim, uma terceira área que remete para a flexibilidade do pensamento ou da imaginação. Esta “tríade de incapacidades” de Wing vem a ser, na atualidade, a base do Diagnóstico da Perturbação do Espectro do Autismo.
O sistema de classificação utilizado no DSM-IV-TR descreve o autismo com base em dificuldades sociais, comprometimento da comunicação e comportamentos restritos. Os três défices estão sempre presentes, com o défice social particularmente acentuado.
Alguns sintomas podem ser mais intensos numa idade, variando em natureza e severidade noutra, conduzindo a diferentes perfis clínicos, mas todos considerados expressões de um mesmo espectro. Além da variação na expressão comportamental, existe também uma grande variedade na capacidade cognitiva, que pode variar de média ou mesmo superior a atraso profundo. Para além desta diversidade individual, as pessoas com autismo apresentam características em três domínios: interação social, comunicação (verbal e não verbal) e repertório de interesses restritos e comportamentos (Barthélemy, Fuentes, Howlin & Gaag, 2009).
Na opinião de Lorna Wing (in Baptista, Bosa & cols, 2002), os comprometimentos na área do comportamento social, linguagem e comunicação, dos rituais, dos interesses restritos e das estereotipias não ocorrem isoladamente, embora com intensidades e qualidades diversificadas. A autora destaca assim a enorme diferença individual existente.


1.3.1. Perturbação da Interação Social
Nos seus estudos, Kanner (1943,in Pereira,2005) referiu que as crianças portadoras de autismo revelavam falhas no contacto afetivo, mostrando-se indiferentes a todo o tipo de afetos, mesmo quando estes partiam de familiares mais próximos. Para a criança, os outros existem ocasionalmente para satisfazer os seus desejos. A este tipo de comportamento Kanner designou de “solidão autista”.
Syegel (2008) refere que a criança com autismo não mostra interesse pela interação social e, de uma forma geral, a atenção e aprovação dos outros não tem o mesmo significado que tem para as outras crianças.
De acordo com Capps, Sigman & Mundi (1994, in Baptista et. al., 2002), nem sempre é assim e algumas crianças com autismo mostram comportamentos de apego em relação aos pais, revelando angústia quando separados, procurando atenção quando se magoam e aproximando-se em situações de perigo.
De acordo com Lima (2012), a criança com PEA tem incapacidade na competência da atenção conjunta, não sorri em resposta ao sorriso dos pais, não olha na mesma direção nem acompanha o olhar dos pais e não aponta. Ao contrário das outras crianças, não procura a partilha social, mas o objeto em si. Normalmente adotam a estratégia de levar o adulto ao local onde se encontra o objeto pretendido para que este lho dê. Na maior parte das vezes, quando chegam ao local, não pedem nem olham para o objeto, pelo que o adulto encontra dificuldade em compreender qual o seu desejo. 

1.3.2. Perturbação da Comunicação
Para Hewitt (2006) a competência comunicação, além do conteúdo verbal (expressão, volume e velocidade), engloba também contacto visual, expressão facial e linguagem corporal. Para muitas pessoas, a leitura e interpretação dos gestos e expressões faciais dos outros leva a um melhor entendimento do que está a ser dito. A dificuldade em entender estes sinais associados à linguagem oral pode afetar o entendimento do que está a ser dito ou requerido. As dificuldades em interpretar, usar e responder adequadamente à comunicação são experimentadas regularmente por todos os indivíduos com autismo.
Alguns indivíduos podem nunca aprender a falar; outros começam a falar, mas em seguida, por volta dos 18 meses aos 2 anos, pode haver um período de regressão. Outros parecem ter uma boa comunicação verbal, mas têm dificuldades na compreensão, especialmente com conceitos mais abstratos. Relativamente à forma e conteúdo, a linguagem tende a ter características incomuns que incluem ecolalia e inversão pronominal (Barthélemy et. al., 2009). 

1.3.3. Interesses Restritos e Comportamentos
Para Lima (2012) a criança com PEA apresenta alterações ao nível comportamental, sendo as mais usuais interesses específicos por determinados objetos ou temas e comportamentos repetitivos, não funcionais e atípicos (balanceamentos, bicos dos pés). Os interesses estão frequentemente relacionados com temas tais como carros, dinossauros e comboios. Estes interesses são muito intensos e conduzem a criança a saber informações detalhadas acerca do tema ou explorar continuamente o objeto. 

1.3.4. O desenvolvimento cognitivo da criança
A cognição depende de um conjunto de processo e mecanismos através dos quais um organismo adquire a informação, a trata, a conserva e a explora. È através deste conjunto de processos (perceção, memória, atenção, simbolismo, raciocínio, linguagem, entre outros) que a criança adquire informações sobre o meio circundante, sobre si própria e sobre as relações com o meio. Estas informações permitem à criança resolver situações e fazer julgamentos com base em situações anteriores e com base no contexto atual(Lima, 2012).
As perturbações neste domínio constituem um obstáculo à evolução mental da criança. A PEA está associada ao défice cognitivo em 50%. O desenvolvimento cognitivo da criança com PEA poderá estar alterado em várias áreas (Lima, 2012).
O perfil cognitivo das crianças com PEA é muito variável. Lima (2012) aponta, de uma forma geral, competências fortes da criança, tais como a memória visual, a ordenação e memória imediata. Por outro lado, verificam-se normalmente dificuldades ao nível da generalização, associação objeto imagem, partilha de atenção, entre outros. 

1.3.5. O Desenvolvimento Motor
A criança com PEA pode apresentar movimentos corporais estereotipados e bizarros, como balancear o corpo, andar em bicos de pés, podendo ainda ocorrer anomalias em termos de postura corporal (Marques, 2009).
De uma forma geral todas as crianças com PEA têm alterações no seu desenvolvimento motor tais como alterações na marcha, na corrida, na coordenação, no equilíbrio e na tonicidade. As competências fortes situam-se no andar, correr, subir e descer. As competências mais fracas estão relacionadas com o desenvolvimento da motricidade fina (Lima, 2012). 

1.3.6. Competências Académicas
A capacidade de aprendizagem académica está relacionada com o nível cognitivo e linguístico da criança. Tendo em conta que a linguagem é uma das áreas fortemente comprometidas da criança com PEA, podemos antever que as suas dificuldades de aprendizagem serão acentuadas (Lima, 2012).
De um modo geral, a criança com PEA desenvolve interesse pelos números muito cedo, no entanto, tem dificuldade em aceder a operações mais complexas, como a noção de quantidade e resolução de problemas (Lima, 2012).
As letras são também área de interesse de interesse para a criança com PEA, assim como a sua capacidade de ordenar, memorizar e descodificar palavras. Em muitos casos, a criança consegue aceder à aprendizagem da leitura, pelo menos ao nível da descodificação da escrita. No entanto, apesar de aprenderem a ler, verificam-se dificuldades graves ao nível da compreensão da leitura (Lima, 2012). 



1.4. Causas das Perturbações do Espectro Autista
Ao longo do tempo muitas teorias têm surgido para tentar explicar as causas que dão origem às Perturbações do Espectro Autista. Atualmente existem fortes evidências de que o autismo tem uma base biológica e um forte componente genético (Medical Research Council, 2001, in Farrel, 2008). Diversos genes podem interagir com fatores ambientais, embora não se saiba ao certo quais esses genes. Por outro lado, entre os possíveis fatores ambientais estão doenças durante a gestação, doenças na infância, intolerância a alimentos e reações a vacinas e poluentes. Tendo em conta que muitas crianças vivenciam esses fatores ambientais e não desenvolvem Perturbações do Espectro Autista, acredita-se que a interação entre todos estes fatores é determinante (Farrel, 2008). 



1.5. Prevalência
Segundo a APP (American Academy of Pediatrics), em 2007, a prevalência na Europa e nos Estados Unidos era de 6:1000. Atualmente verifica-se uma tendência para o aumento destes dados, no entanto, este aumento está relacionado com fatores tais como: os pais estarem mais conscientes da existência da patologia, a redefinição dos critérios de diagnóstico e o conhecimento mais alargado dos técnicos que intervém com a criança acerca da patologia (Lima, 2012).
Em Portugal, segundo um estudo realizado em por investigadores do Hospital Pediátrico de Coimbra e do Instituto Nacional Ricardo Jorge, estima-se que haja em Portugal um autista por cada mil crianças. A prevalência global estimada das PEA nas crianças em idade escolar é 0,92 por cada mil crianças em Portugal Continental e de 1,56 por cada mil nos Açores A prevalência do autismo é menor na região Norte, e é também inferioraos valores obtidos a nível internacional, que apontam para números mais elevados na Europa e América do Norte. Esta investigação clínica foi levada a cabo em 1999-2000, abrangendo cerca de 345mil crianças, nascidas de 1990 a 1992, que frequentavam o 1.º ciclo do ensino básico (Oliveira, 2009).

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