1. O Autismo
“ Sempre corri atrás de mim mesmo como uma criança atrás de um balão levado pelo vento. Eu era o vento e não sabia.”
(autor desconhecido)
1.1. Perspetiva histórica e conceptual de Autismo
Como
indica Pereira (2005), em termos etimológicos, a palavra “autismo”
deriva do grego “ autós” que significa “próprio”, acrescido do sufixo
“ismo”, que nos reporta a uma ideia de orientação ou estado. De uma
forma geral pode ser explicado como um estado de espírito com inclinação
para se fechar no seu próprio mundo, abstraído da realidade
circundante, acompanhada por uma firme concentração em si mesmo.
O
termo autismo foi pela primeira vez utilizado em 1911 por Beuler, no
entanto, foi associado a um conjunto de comportamentos relacionados com
esquizofrenia. Mais tarde, em 1943, Dr. Leo Kanner, psiquiatra
americano, usou o mesmo termo para descrever algumas crianças que se
encontravam na sua unidade psiquiátrica. Este grupo de crianças
apresentava características comportamentais semelhantes entre si,
reduzido interesse por outras pessoas, linguagem peculiar, insistência
em rotinas e comportamentos repetitivos (Farrel, 2008).
Na mesma
altura, Hans Asperger define uma síndrome mais leve, posteriormente
designada por Asperger Syndrome. De acordo com o autor, esta síndrome é
caracterizada por um contacto social inadequado com comunicação
peculiar, criando palavras originais, ausência de expressões faciais,
movimentos estereotipados e inteligência normal ou acima da média.
Relativamente a Kanner, a diferença era que as competências linguísticas
e cognitivas eram mais elevadas (Lima, 2012).
Em 1979, Wing e
Gould apresentam um novo estudo e introduzem a expressão “espectro do
autismo”. Os autores concluem que as crianças que fizeram parte do
estudo apresentavam dificuldades de interação social, dificuldades de
comunicação e falta de interesse em atividades. Como não se enquadravam
no diagnóstico usual de autismo, os autores criaram o conceito de
spectrum (Lima, 2012).
Os critérios atuais do DSM-IV-TR definem a Perturbação do Espectro do Autismo
como
sendo uma Perturbação Global do Desenvolvimento, caracterizadas por
comprometimentos em três áreas de Desenvolvimento: Interação Social,
Comunicação e Comportamento.
1.2.Variantes das Perturbações do Espectro Autista
O quadro inicial de diagnóstico de autismo sofreu, ao longo do tempo,
inúmeras alterações. Estas alterações deveram-se sobretudo à constatação
de diferenças entre os indivíduos com autismo, surgindo assim a noção
de sub- tipos dentro das perturbações autistas. O reconhecimento da
existência de um núcleo central de perturbações e características comuns
a um conjunto de patologias com intensidade e severidade variável,
evidenciou outras variantes do “autismo de Kanner” também denominado
“autismo clássico” (Marques, 2000).
Atualmente o DSM-IV-TR
considera os seguintes subtipos da Perturbação Global do
Desenvolvimento: Perturbação Autística, Perturbação de Asperger,
Perturbação Global de Desenvolvimento sem Outra Especificação (SOE),
Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância e Síndroma de Rett.
1.2.1 Perturbação Autística
Segundo Byrna Siegel (2008), o Autismo ou Perturbação Autística é a
forma mais conhecida e mais frequente das Perturbações Globais do
Desenvolvimento, já descrita anteriormente.
1.2.2. Perturbação de Asperger
As
crianças com Síndrome de Asperger apresentam diversas características
comportamentais semelhantes às apresentadas por crianças autistas. As
principais diferenças residem no desenvolvimento cognitivo, não
apresentando, geralmente, atrasos intelectuais significativos e
possuírem competências de linguagem, autonomia pessoal e comportamentos
adaptativos, exceto os sociais. A Síndroma de Asperger, é geralmente
diagnosticada mais tarde, por volta dos 6 anos e, tal como acontece com o
autismo, tem maior prevalência em rapazes do que em raparigas (Paasche,
Gorrill, &, Strom, 2010).
1.2.3. Perturbação Global de Desenvolvimento SOE
Esta
denominação é utilizada para casos que não cumprem os critérios para o
diagnóstico formal nas outras patologias existentes nas Perturbações
Globais do Desenvolvimento, como por exemplo Autismo Atípico (Lima,
2012). A Perturbação Global do Desenvolvimento SOE é vista como uma
forma mais branda de autismo, sendo que neste subtipo pode ser
enquadrada uma criança que apresente transtornos na comunicação ou
insistência na repetição/ comportamentos restritos, mas não
necessariamente ambos (Farrel, 2008).
1.2.4. Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância
Trata-se
de uma Perturbação Global do Desenvolvimento que se caracteriza por uma
acentuada regressão em múltiplas áreas do desenvolvimento a seguir a um
período de pelo menos dois anos de desenvolvimento aparentemente
normal. Após este período dá-se uma perda súbita e significativa de
competências que já haviam sido adquiridas (Lima, 2012).
1.2.5. Síndroma de Rett
As
crianças com Síndroma de Rett apresentam muitas características
comportamentais associadas ao autismo. A diferença principal é que estas
crianças parecem ter um desenvolvimento normal nos primeiros meses de
vida, seguido de perda de linguagem verbal e competências sociais
anteriormente adquiridas, abrandamento do desenvolvimento do cérebro,
desenvolvimento de movimentos estereotipados nas mãos, perdendo
movimentos intencionais e modo de andar descoordenado e rígido. A
Síndroma de Rett é mais comum em raparigas do que em rapazes. Tendo em
conta que a deterioração global é contínua, o prognóstico para o futuro
não é positivo (Paasche et. al., 2010).
1.3. Caracterização Criança com Perturbação do Espectro do Autismo
Wing (1979, in Soares, 2009) refere que o indivíduo autista apresenta
um vasto leque de dificuldades, sobretudo em três principais áreas: a
área da linguagem e comunicação; a área das competências sociais e, por
fim, uma terceira área que remete para a flexibilidade do pensamento ou
da imaginação. Esta “tríade de incapacidades” de Wing vem a ser, na
atualidade, a base do Diagnóstico da Perturbação do Espectro do Autismo.
O sistema de classificação utilizado no DSM-IV-TR descreve o
autismo com base em dificuldades sociais, comprometimento da comunicação
e comportamentos restritos. Os três défices estão sempre presentes, com
o défice social particularmente acentuado.
Alguns sintomas
podem ser mais intensos numa idade, variando em natureza e severidade
noutra, conduzindo a diferentes perfis clínicos, mas todos considerados
expressões de um mesmo espectro. Além da variação na expressão
comportamental, existe também uma grande variedade na capacidade
cognitiva, que pode variar de média ou mesmo superior a atraso profundo.
Para além desta diversidade individual, as pessoas com autismo
apresentam características em três domínios: interação social,
comunicação (verbal e não verbal) e repertório de interesses restritos e
comportamentos (Barthélemy, Fuentes, Howlin & Gaag, 2009).
Na opinião de Lorna Wing (in Baptista, Bosa & cols, 2002), os
comprometimentos na área do comportamento social, linguagem e
comunicação, dos rituais, dos interesses restritos e das estereotipias
não ocorrem isoladamente, embora com intensidades e qualidades
diversificadas. A autora destaca assim a enorme diferença individual
existente.
1.3.1. Perturbação da Interação Social
Nos seus estudos, Kanner (1943,in Pereira,2005) referiu que as crianças
portadoras de autismo revelavam falhas no contacto afetivo,
mostrando-se indiferentes a todo o tipo de afetos, mesmo quando estes
partiam de familiares mais próximos. Para a criança, os outros existem
ocasionalmente para satisfazer os seus desejos. A este tipo de
comportamento Kanner designou de “solidão autista”.
Syegel
(2008) refere que a criança com autismo não mostra interesse pela
interação social e, de uma forma geral, a atenção e aprovação dos outros
não tem o mesmo significado que tem para as outras crianças.
De
acordo com Capps, Sigman & Mundi (1994, in Baptista et. al., 2002),
nem sempre é assim e algumas crianças com autismo mostram
comportamentos de apego em relação aos pais, revelando angústia quando
separados, procurando atenção quando se magoam e aproximando-se em
situações de perigo.
De acordo com Lima (2012), a criança com
PEA tem incapacidade na competência da atenção conjunta, não sorri em
resposta ao sorriso dos pais, não olha na mesma direção nem acompanha o
olhar dos pais e não aponta. Ao contrário das outras crianças, não
procura a partilha social, mas o objeto em si. Normalmente adotam a
estratégia de levar o adulto ao local onde se encontra o objeto
pretendido para que este lho dê. Na maior parte das vezes, quando chegam
ao local, não pedem nem olham para o objeto, pelo que o adulto encontra
dificuldade em compreender qual o seu desejo.
1.3.2. Perturbação da Comunicação
Para Hewitt (2006) a competência comunicação, além do conteúdo verbal
(expressão, volume e velocidade), engloba também contacto visual,
expressão facial e linguagem corporal. Para muitas pessoas, a leitura e
interpretação dos gestos e expressões faciais dos outros leva a um
melhor entendimento do que está a ser dito. A dificuldade em entender
estes sinais associados à linguagem oral pode afetar o entendimento do
que está a ser dito ou requerido. As dificuldades em interpretar, usar e
responder adequadamente à comunicação são experimentadas regularmente
por todos os indivíduos com autismo.
Alguns indivíduos podem
nunca aprender a falar; outros começam a falar, mas em seguida, por
volta dos 18 meses aos 2 anos, pode haver um período de regressão.
Outros parecem ter uma boa comunicação verbal, mas têm dificuldades na
compreensão, especialmente com conceitos mais abstratos. Relativamente à
forma e conteúdo, a linguagem tende a ter características incomuns que
incluem ecolalia e inversão pronominal (Barthélemy et. al., 2009).
1.3.3. Interesses Restritos e Comportamentos
Para Lima (2012) a criança com PEA apresenta alterações ao nível
comportamental, sendo as mais usuais interesses específicos por
determinados objetos ou temas e comportamentos repetitivos, não
funcionais e atípicos (balanceamentos, bicos dos pés). Os interesses
estão frequentemente relacionados com temas tais como carros,
dinossauros e comboios. Estes interesses são muito intensos e conduzem a
criança a saber informações detalhadas acerca do tema ou explorar
continuamente o objeto.
1.3.4. O desenvolvimento cognitivo da criança
A cognição depende de um conjunto de processo e mecanismos através dos
quais um organismo adquire a informação, a trata, a conserva e a
explora. È através deste conjunto de processos (perceção, memória,
atenção, simbolismo, raciocínio, linguagem, entre outros) que a
criança adquire informações sobre o meio circundante, sobre si própria e
sobre as relações com o meio. Estas informações permitem à criança
resolver situações e fazer julgamentos com base em situações anteriores e
com base no contexto atual(Lima, 2012).
As perturbações neste
domínio constituem um obstáculo à evolução mental da criança. A PEA está
associada ao défice cognitivo em 50%. O desenvolvimento cognitivo da
criança com PEA poderá estar alterado em várias áreas (Lima, 2012).
O perfil cognitivo das crianças com PEA é muito variável. Lima (2012)
aponta, de uma forma geral, competências fortes da criança, tais como a
memória visual, a ordenação e memória imediata. Por outro lado,
verificam-se normalmente dificuldades ao nível da generalização,
associação objeto imagem, partilha de atenção, entre outros.
1.3.5. O Desenvolvimento Motor
A criança com PEA pode apresentar movimentos corporais estereotipados e
bizarros, como balancear o corpo, andar em bicos de pés, podendo ainda
ocorrer anomalias em termos de postura corporal (Marques, 2009).
De uma forma geral todas as crianças com PEA têm alterações no seu
desenvolvimento motor tais como alterações na marcha, na corrida, na
coordenação, no equilíbrio e na tonicidade. As competências fortes
situam-se no andar, correr, subir e descer. As competências mais fracas
estão relacionadas com o desenvolvimento da motricidade fina (Lima,
2012).
1.3.6. Competências Académicas
A capacidade de aprendizagem
académica está relacionada com o nível cognitivo e linguístico da
criança. Tendo em conta que a linguagem é uma das áreas fortemente
comprometidas da criança com PEA, podemos antever que as suas
dificuldades de aprendizagem serão acentuadas (Lima, 2012).
De
um modo geral, a criança com PEA desenvolve interesse pelos números
muito cedo, no entanto, tem dificuldade em aceder a operações mais
complexas, como a noção de quantidade e resolução de problemas (Lima,
2012).
As letras são também área de interesse de interesse para
a criança com PEA, assim como a sua capacidade de ordenar, memorizar e
descodificar palavras. Em muitos casos, a criança consegue aceder à
aprendizagem da leitura, pelo menos ao nível da descodificação da
escrita. No entanto, apesar de aprenderem a ler, verificam-se
dificuldades graves ao nível da compreensão da leitura (Lima, 2012).
1.4. Causas das Perturbações do Espectro Autista
Ao
longo do tempo muitas teorias têm surgido para tentar explicar as
causas que dão origem às Perturbações do Espectro Autista. Atualmente
existem fortes evidências de que o autismo tem uma base biológica e um
forte componente genético (Medical Research Council, 2001, in Farrel,
2008). Diversos genes podem interagir com fatores ambientais, embora não
se saiba ao certo quais esses genes. Por outro lado, entre os possíveis
fatores ambientais estão doenças durante a gestação, doenças na
infância, intolerância a alimentos e reações a vacinas e poluentes.
Tendo em conta que muitas crianças vivenciam esses fatores ambientais e
não desenvolvem Perturbações do Espectro Autista, acredita-se que a
interação entre todos estes fatores é determinante (Farrel, 2008).
1.5. Prevalência
Segundo
a APP (American Academy of Pediatrics), em 2007, a prevalência na
Europa e nos Estados Unidos era de 6:1000. Atualmente verifica-se uma
tendência para o aumento destes dados, no entanto, este aumento está
relacionado com fatores tais como: os pais estarem mais conscientes da
existência da patologia, a redefinição dos critérios de diagnóstico e o
conhecimento mais alargado dos técnicos que intervém com a criança
acerca da patologia (Lima, 2012).
Em Portugal, segundo um estudo
realizado em por investigadores do Hospital Pediátrico de Coimbra e do
Instituto Nacional Ricardo Jorge, estima-se que haja em Portugal um
autista por cada mil crianças. A prevalência global estimada das PEA nas
crianças em idade escolar é 0,92 por cada mil crianças em Portugal
Continental e de 1,56 por cada mil nos Açores A prevalência do autismo é
menor na região Norte, e é também inferioraos valores obtidos a
nível internacional, que apontam para números mais elevados na Europa e
América do Norte. Esta investigação clínica foi levada a cabo em
1999-2000, abrangendo cerca de 345mil crianças, nascidas de 1990 a 1992,
que frequentavam o 1.º ciclo do ensino básico (Oliveira, 2009).
Sem comentários:
Enviar um comentário